A série ‘13 Reasons
Why’,
que tem produção executiva de Selena
Gomez e episódios dirigidos pelo
vencedor do Oscar® Tom McCarthy (Spotlight –
Segredos Revelados), se transformou em um fenômeno mundial.
Porém, nem tudo são flores e o tema é bastante
polêmico.
O psiquiatra Luís Fernando Tófoli divulgou
um texto com 13 Alertas sobre ’13 Reasons
Why’ para pais, educadores e
profissionais de saúde.
Confira:
- A alardeada série da Netflix, “13
Reasons Why”, baseada em um livro homônimo de Jay Asher
(publicado no Brasil como “Os 13 Porquês”), aborda uma série de questões
sérias: bullying no ensino médio, machismo, LGBTfobia, abuso sexual e, de
uma forma geral, a difícil missão de adolescer. A série, porém, é focada
em uma questão central, pivô de toda a história: o suicídio de uma jovem
de 17 anos, Hanna Baker, que faz 13 gravações em fitas cassetes, apontando
o dedo as pessoas que a desapontaram em seu calvário na High School de uma
pequena cidade americana.
- Eu me vi na obrigação de assistir a todo
o seriado para poder trazer algumas informações para pais e profissionais
de saúde e educação. Não vou me estender na qualidade artística, até
porque não é minha função aqui, eu penso. No entanto, afianço que apesar
da tensão que prende a assistência até a resolução do mistério, os
episódios são longos e cansativos demais. A sensação final é de ser
chantageado a aguentar a narrativa arrastada só para poder saber por qual
razão o protagonista e bom-moço Clay Jensen foi incluído nas fitas de
Hannah.
- A razão principal pela qual eu escrevo
estes parágrafos é para focar na questão crucial de uma peça de ficção
construída sobre um suicídio adolescente. O suicídio está entre as
principais causas de morte na adolescência, competindo com acidentes
causados por veículos e, no caso de países como o Brasil, violência
armada. Como um agente de formação no campo da Psiquiatria e da Saúde
Mental, me vejo na obrigação de fazer alguns comentários – e, porque não,
alguns alertas – sobre esta série.
- Há sinais preocupantes de que as taxas de
suicídios de jovens estão crescendo no mundo e no Brasil. O país, aliás,
está na contramão das estatísticas no mundo: também os índices gerais
estão subindo – e já o estavam antes da crise econômica – ao invés de
cair. Há várias hipóteses sobre o que pode estar levando isso a acontecer,
mas acho que o mais importante é frisar que nunca tivemos uma campanha
nacional responsável de prevenção do suicídio – apesar do reconhecidamente
importante papel do voluntariado do CVV-Centro de Valorização da
Vida – e de haver documentação sobre formas
de se fazer essa política pública de maneira eficiente.
- Meu ponto principal neste texto não é
estragar a série ou dar spoiler, e sim de que pais, educadores e
adolescentes estejam cientes de que o programa tem o potencial de causar
danos a pessoas que estão emocionalmente fragilizadas e que poderão, sim,
ser influenciadas negativamente. Não é absurdo inclusive considerar que,
para algumas pessoas, a série possa induzir ao suicídio. Portanto, pessoas
em situações de risco deveriam ser desencorajadas a assistir a série. Não
estou sozinho nisso, já há pelo menos um crítico no Brasil, o Pablo Villaça, que explicitamente está recomendando que não se assista ao
seriado.
- O principal erro da série é, de longe, mostrar o suicídio de Hannah. A cena, que acontece no episódio final, é absolutamente desnecessária na narrativa e claramente contrária ao que apregoam os manuais que discutem prevenção de suicídio e mídia. Chega a ser absurdo que os autores da série ignorem completamente o que indicam explicitamente as recomendações da Sociedade Americana para Prevenção do Suicídio, que foram publicadas após a morte do ator Robin Williams (https://goo.gl/vAQkg6) e cheguem à cara de pau de tocar (não neste episódio) a música “Hey, Hey”, de Neil Young, que foi citada na carta suicida do músico Kurt Cobain (https://goo.gl/droI3I).
- É verdade que as recomendações são em geral destinadas à imprensa, mas chega a ser absurdo que os realizadores de uma produção sobre o tema não tenham se informado sobre os impactos do que é conhecido como ‘efeito Werther’ – cujo nome vem de uma obra de arte e não de uma ação de imprensa. O efeito é baseado no suposto impacto de Os Sofrimentos do Jovem Werther, livro do século XVIII que alçou Goethe à fama (https://goo.gl/2h4N8U).
- Embora o aumento de suicídios na
Alemanha atribuídos ao livro jamais possa ser objetivamente medido, há já
um consenso entre suicidologistas de que o fenômeno sofre contágio pela
mídia e de que há maneiras pelas quais ele não deva ser retratado. Uma
delas, e na qual a série fracassa desgraçadamente, é em não romantizar ou
embelezar um suicídio. Evitar a divulgação de cartas suicidas é outro
ponto – e é desnecessário dizer que a série toda é uma enorme carta
suicida, que embora ficcional, é ouvida pela voz da protagonista, a
narradora póstuma da história.
- Outro problema sério da história,
especialmente para os sobreviventes (esse é o termo utilizado para os
parentes e entes queridos de quem se suicida), é a ideia da culpabilização
do suicídio. Grande parte da tensão da série gira em torno de quem é a
“culpa” pelo suicídio de Hannah: ela, seus amigos, a escola (que é
processada pelos pais da menina), a sociedade. Os especialistas entendem
que a busca por culpados é dolorosa e improdutiva. O suicídio é, na sua
imensa maioria das vezes, um ato complexo, desesperado e ambíguo, e achar
que ele possa ter responsabilidade atribuível é equivaler sua narrativa à
de um crime. Embora isso seja compreensível em uma peça de ficção, isso é
muito deletério na discussão do tema no mundo real, onde ele de fato os
suicídios acontecem.
- Dois fatos chamam a atenção ainda, como erros
essenciais da produção. Um é não tocar a questão do adoecimento mental,
uma vez que a maioria das pessoas que se suicidam apresentam transtornos
mentais. O suicídio de Hannah é discutido – como sói frequentemente aos
americanos, um povo obcecado pela pretensa liberdade de escolha – como uma
“opção”, esquecendo que na grande maioria das vezes a pessoa está
aprisionada por um cenário falseado de opções causado pelo seu estado
mental. O outro fato é a impressão passada pela narrativa – em especial no
último episódio – de que buscar por ajuda é inefetivo, quando isso pode
ser a diferença, literalmente, entre a vida e a morte.
- Ainda sobre pedir ajuda, a divulgação da
série pretende vender a ideia de conscientização – contando, no Brasil,
inclusive com o apoio do CVV. Durante todos os 13 episódios que assisti no
Netflix, no entanto, não há qualquer sinal, indicação ou legenda que
aponte a hotline do CVV no Brasil (141) ou o seu site (http://www.cvv.org.br) para pessoas que necessitem de apoio e estejam assistindo a
história. Após o fim da trama há um extra, meio documentário, meio making
of que fala sobre prevenção de suicídio, mas seria necessário, no mínimo,
divulgar meios de socorro no início e no fim de cada episódio.
- Nunca é demais lembrar que indagar uma
pessoa sobre seu risco de suicídio não aumenta a chance dele acontecer e
pode ser a atitude salvadora em diversos casos. Isso é particularmente
importante para profissionais de saúde e de educação, que têm muito medo
de fazer essa pergunta. Na maioria das vezes, para um potencial suicida,
essa pode ser a oportunidade de compartilhar seu desespero e abrir a
chance para uma ajuda efetiva.
- Concluindo, a premissa de “13
Reasons Why” é excelente: discutir a crueldade cotidiana
dos jovens (que me parece ser a mesma crueldade dos humanos, embora em uma
fase particularmente frágil da vida) e como ela pode nos afetar de forma
devastadora, em alguns casos. No entanto, infelizmente, por negligência ou
por pura arrogância, a série acaba fazendo provavelmente um desserviço
maior do que sua beneficência. A oportunidade perdida de se discutir
suicídio de uma forma cuidadosa se perdeu em meio ao hype, infelizmente.
Parágrafo adicional motivado por alguns
comentários (considerem como a 14ª gravação, rs): 14. Gostaria de frisar que
não defendo de maneira alguma a censura ou a proibição da série, e muito menos
que se evite o debate das questões seríssimas do bullying, da violência de
gênero e do estupro. A questão é de, sem querer ofender quem amou a série,
refletirmos juntos se alguns cuidados poderiam ser tomados para evitar o
prejuízo a pessoas fragilizadas. Elas são a minoria da população, mas o impacto
já foi medido e mais de um estudo sobre o efeito Werther. A pergunta aqui é:
será que o meu entretenimento vale a vida de alguém?
É preciso ficar atento e acompanhar nossos filhos e alunos.
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